Mais do que um novo cenário permeado por desafios econômicos, sociais e de saúde, a pandemia da Covid-19 trouxe consigo novos paradigmas que transformaram, inclusive, o nosso vocabulário. Termos como trabalho remoto, home office, trabalho híbrido vieram à tona no momento em que tanto os colaboradores quanto as organizações precisaram se adaptar rapidamente à disrupção imposta pelas medidas sanitárias necessárias ao enfrentamento do vírus.
Quase três anos depois, com o avanço da vacinação e com uma compreensão mais ampliada da doença, a sociedade está retornando à normalidade (e não ao chamado “novo normal”, que incluía medidas de distanciamento impositivas, mas àquela conhecida do período pré-pandemia).
No entanto, os paradigmas do mundo do trabalho não são mais os mesmos, e aqueles termos que antes pareciam limitados a áreas específicas ou a startups do Vale do Silício hoje fazem parte do vocabulário cotidiano de todo o mundo corporativo.
Em suma, o modelo de trabalho híbrido consiste na convergência do trabalho remoto e do presencial, com a possibilidade de alternância entre eles.
No modelo híbrido, o profissional pode ir ao escritório da empresa em dias da semana especificados ou escolher onde prefere atuar durante a maior parte do tempo: em casa ou na empresa, a depender da demanda ou da tarefa que esteja executando.
Executado integralmente no ambiente da empresa, com pouca (ou nenhuma) flexibilidade para que o colaborador trabalhe em outro espaço. Nesse modelo tradicional, empresas controlam horário de entrada e saída para todos dentro de um mesmo ambiente.
Segundo a pesquisa realizada pela WeWork que consultou mais de 8 mil colaboradores em 6 países da América Latina — Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica e México —, a flexibilidade é hoje um dos principais fatores de motivação no trabalho.
Esse dado deve ser levado em conta ao considerar a adesão de um modelo de trabalho exclusivamente presencial.
Feito apenas em home office (ou onde quer que o colaborador esteja para realizar suas atividades de trabalho fora do ambiente da empresa).
Apesar de 71% dos colaboradores terem expectativas de migrar do trabalho presencial, considerado mais rígido, para modelos mais flexíveis, executivos e lideranças ainda são mais receosos quanto às consequências da mudança, conforme aponta o estudo realizado pela PwC Brasil em parceria com o PageGroup.
Nesse sentido, o trabalho híbrido serve como uma ferramenta aos gestores, que lhes permite testar e experimentar novas rotinas de trabalho com os times.
Tanto para colaboradores quanto para executivos, a regra é clara: flexibilidade é bem-vinda e todo mundo gosta, mas exige uma revisão sobre como tratamos confiança e responsabilidades.
Levantamentos recentes apontam que o trabalho híbrido é capaz de equilibrar muito bem as vantagens e as desvantagens de ambos os modelos, mas alguns prós costumam se sobressair.
Eliminação do tempo e custo de deslocamento; maior liberdade; possibilidade de estar mais próximo da família são fatores que se destacam.
Os desafios, em contrapartida (que consistem principalmente em dificuldade de estabelecer rotinas, diminuição da convivência e mistura entre vida pessoal e profissional, entre outros), precisam — e podem — ser enfrentados com o modelo, ao adaptá-lo de acordo com a realidade da sua empresa e dos times.
Caso esteja claro que ir ao escritório uma vez na semana e manter-se em home office durante os outros quatro funciona bem, este é o formato ideal para sua empresa; caso funcione melhor para a cultura da sua empresa passar mais tempo nela e permitir o trabalho remoto dois dias na semana, vá em frente e implemente!
No entanto, também sabemos que existem setores e funções dentro da nossa sociedade, principalmente na base da pirâmide, que não abrem oportunidade para que o trabalho seja realizado de outra forma a não ser presencial.
Em termos de escala, o equilíbrio de custos é um dentre os vários pontos positivos a serem considerados ao aderir ao trabalho híbrido como estratégia. O estudo da WeWork e do PageGroup demonstra que 62% dos entrevistados, entre eles executivos C-level, apontam a redução de custos operacionais (incluindo gastos com escritório, limpeza etc.) como uma das principais vantagens dessa modalidade.
Esse fato abre espaço para que as organizações invistam em outros benefícios para os colaboradores, o que gera ainda mais motivação e retenção de talentos. Além, é claro, da óbvia vantagem para o caixa da empresa.
Considerado uma das principais vantagens do modelo de trabalho híbrido, como aponta o estudo da PwC e do PageGroup, este pode ser visto também como um desafio a ser enfrentado.
Em termos de gênero, as mulheres tendem a preferir o trabalho totalmente remoto ou o modelo híbrido que lhes permita trabalhar presencialmente até dois dias na semana: 78% das mulheres afirmam que o trabalho híbrido possibilita que elas conciliem responsabilidades e executem todas as suas tarefas, tanto pessoais quanto profissionais, nesse modelo, em comparação a 58% dos homens que relatam o mesmo.
Apesar de o número parecer animador, uma hipótese para isso é que a flexibilidade de horário e de local de trabalho faça com que as mulheres acumulem ainda mais tarefas e exerçam jornadas duplas ou até triplas, quando somadas as responsabilidades da vida profissional, pessoal, familiar e eventuais rotinas de estudos e formação.
Em contrapartida, o levantamento da WeWork aponta o modelo de trabalho híbrido como o mais benéfico para a saúde mental dos colaboradores. Eles encontram no modelo uma oportunidade de autogestão e de autoconhecimento, somada ao conforto proporcionado pelo trabalho em casa. Outra vantagem é o cuidado com a saúde, visto que os horários menos rígidos permitem às pessoas irem a seus próprios compromissos médicos, ou até mesmo acompanhar os filhos ou um familiar, sem que isso entre em conflito com a rotina de trabalho ou comprometa as entregas.
Tanto millenials como os membros da geração Z estão familiarizados com a ideia atraente do nomadismo digital — a possibilidade de viajar para qualquer canto do mundo a qualquer momento e continuar trabalhando do seu próprio laptop.
Ainda que o nomadismo digital mais radical dialogue melhor com o modelo de trabalho remoto, o modelo híbrido ainda dá mais liberdade para os colaboradores estarem onde desejam — e para as empresas buscarem talentos onde for necessário.
A diversidade tem estado no radar das empresas, e ter pessoas de diferentes origens, gêneros, etnias e backgrounds, bem como equipes multiculturais, que tragam perspectivas e experiências diversas, reflete nos resultados, mas também no bem-estar dos times.
Três em cada cinco colaboradores de startups entrevistados pela WeWork dizem ter interesse em trabalhar com pessoas oriundas de outros países, por causa da vantagem da diversidade para as entregas e os resultados.
Afinal, o sucesso das organizações depende de aproveitar as diferenças e canalizá-las em prol de interesses comuns.
No Brasil, o contrato de trabalho híbrido ou remoto que funcione melhor para a busca por atrair talentos de outros países está sendo discutido por intermédio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, uma vez que não existe uma lei específica que rege esse tipo de contrato de trabalho.
Existe ainda uma discussão adicional na maior partes dos lugares do mundo sobre os impostos do salário do trabalhador — onde os recolher: no local de moradia ou onde está a empresa que o contratou?
Gosto de definir networking como sendo da reputação que você constrói ao longo da vida e da sua carreira, ou seja, a imagem que você deixa por onde passa, já nas suas primeiras relações, e que se consolidam como relações de diferentes níveis.
O cérebro humano se desenvolveu ao longo dos anos estabelecendo relações e criando redes de contatos para sobreviver e evoluir.
Nós nos diferenciamos dos outros animais, entre outros fatores, pela nossa capacidade de recombinar ideias e modificar nossa trajetória.
A humanidade se consolidou graças à capacidade de estabelecer tais redes de contato, isto é, de fazer networking, e depende disso para avançar.
e 97% encaram o escritório como uma oportunidade de interagir com as diferentes áreas e de se desenvolver profissionalmente.
Esses dados sinalizam a relevância do trabalho híbrido frente ao modelo remoto, já que que este impossibilita tais interações.
Sabemos que, com a bonança, também costuma vir uma tempestade. Mas não significa que não podemos nos preparar para ela e enfrentar os desafios que acompanham o modelo de trabalho híbrido.
Afinal, a pandemia da Covid-19 nos proporcionou um laboratório (um tanto forçado) de experiências nesse sentido, com as quais pudemos aprender bastante.
As respostas aos desafios hoje são mais claras porque, antes da necessidade de medidas de distanciamento social, o principal modelo de trabalho na América Latina era o presencial — ou seja, tudo era novidade —, enquanto hoje o híbrido se torna o modelo mais popular.
O posicionamento da marca empregadora, o alinhamento com as tendências e a inovação são fundamentais para o employee value proposition (EVP, ou propostas de valor para os funcionários).
Somadas a isso, uma cultura coerente e bem estabelecida e lideranças honestas e abertas fortalecem as relações de confiança entre colaboradores e a organização.
A pesquisa da PwC corrobora o fato de que esse tipo de conexão favorece a transição para novos modelos de trabalho, facilita a adaptação e ainda retém talentos. Uma das conclusões da pesquisa é que executivos sinceros e cultura coerente geram engajamento.
Ainda que flexibilidade seja mais um dos termos que entraram no nosso vocabulário recentemente, é importante observar que, em termos de modelos de trabalho, mais do que flexíveis, precisamos ser adaptáveis.
Quando uma necessidade se impõe e você é flexível, você muda, mas não necessariamente está consciente do processo de mudança pelo qual está passando — e pode negligenciar fatores importantes a serem considerados; neste caso, na primeira oportunidade, você desiste do processo, e tudo volta ao que era antes.
Já quando é adaptável, você analisa a situação, experimenta, testa possibilidades, aprende e, a partir disso, implementa as transformações.
Existem três pilares importantes que uma empresa deve avaliar para calibrar o trabalho híbrido: prontidão, referência e desenvolvimento.
Aqui, então, entra a adaptabilidade. A história da humanidade consiste em uma dinâmica constante na qual devemos nos adaptar a mudanças imprevisíveis. A evolução na natureza ocorre assim, e essa dinâmica é igualmente projetada para os vários âmbitos em que vivemos. É por essa razão que sermos adaptáveis, mais do que flexíveis, assegura que as mudanças implementadas nas dinâmicas de trabalho hoje sirvam como ferramentas perenes para os nossos resultados.
Avaliando, priorizando e adaptando. Como em quase todos os âmbitos, o resultado está menos em quanto esforço é aplicado e mais no valor das entregas. Ao traçar as metas e estabelecer os caminhos, é preciso ajustar os caminhos trilhados, conforme a mensuração dos resultados, para chegar ao formato ideal para aquela realidade específica, daquela organização. Para isso, há alguns fatores a serem considerados.
A pandemia da Covid-19 consolidou a tecnologia como ferramenta para o estabelecimento de novas formas de trabalho, assim como para impulsionar e mensurar a produtividade.
A melhor maneira de continuar lançando mão de recursos digitais e da automação para esses fins é agir com transparência, no que se refere à automação de processos que antes eram executados de outra forma, e incentivar o desenvolvimento dos colaboradores.
Para reduzir a ansiedade em relação às mudanças, evitando impactos negativos para o desempenho, é importante envolver os colaboradores na concepção das soluções e manter uma comunicação clara. A transparência reduz a ansiedade.
O “arroz com feijão” para um modelo de trabalho que envolva pessoas espalhadas em diferentes espaços físicos, o elemento mais básico, é o estabelecimento das ferramentas necessárias para a execução das tarefas.
Para os colaboradores entrevistados nos países da América Latina, uma das melhorias mais importantes a serem implementadas para a consolidação do modelo de trabalho híbrido ou remoto é a adaptação de equipamentos e sistemas.
A empresa deve assegurar a própria estrutura, em termos tanto de estrutura física quanto de ferramentas que viabilizem a execução do trabalho, sejam elas equipamentos, sejam softwares.
A boa notícia é que 71% dos colaboradores e 78% dos executivos afirmam que suas empresas já têm estrutura física para o regime híbrido, com ou sem adaptações.
Não existe uma receita predeterminada que vá funcionar para todas as empresas. Este é um cenário de descoberta, e os ingredientes necessários são diferentes para as diversas organizações.
A única certeza que nós temos atualmente é a de que os cenários que existiam no período pré-pandemia ficaram para trás. A ideia de que o modelo de trabalho presencial era o ideal, e o único, para garantir resultados e engajar os times ficou para trás.
No entanto, o modelo que imperou no auge da pandemia, no qual todo mundo trabalhava de casa e convivia exclusivamente via Zoom, Microsoft Teams e afins, tendo em vista a possibilidade de extinguir todo o convívio presencial, também não serve mais.
Existe agora um novo modelo, ou novos modelos, em construção. O mercado de trabalho é um organismo vivo que reflete as transformações da sociedade.
Agora, o mercado está refletindo o modo como as peças deste novo quebra-cabeças da sociedade se encaixam.
Para nortear as ações relacionadas à gestão de pessoas tendo em vista os resultados, é importante ter em mente os três pilares fundamentais para calibrar o trabalho híbrido: prontidão, referência e desenvolvimento.
Esses pilares servem como parâmetro para a tomada de decisão.
Assim, fica mais fácil avaliar quem deverá estar no escritório em quais dias da semana, por exemplo, e equilibrar o presencial e o home office de maneira mais assertiva.
Tome cuidado, pois as nossas referências do que funcionou e do que não funcionou nos períodos de lockdown, para o cenário de hoje, já estão defasadas.
Lembre-se de que até mesmo a profissão mais antiga do mundo sempre pôde ser desempenhada em um modelo híbrido: tanto em um espaço próprio do profissional quanto no local escolhido pelo cliente, a depender da necessidade daquele momento específico (caso você esteja se perguntando, a profissão mais antiga do mundo, segundo os arqueólogos, é a de cozinheiro).
O principal ingrediente dessa receita é manter a cabeça aberta, ouvir o time com atenção para entender quais são as demandas de cada área. Assim, você conseguirá entender o que funciona para a sua empresa, dada a cultura e o perfil do time que você tem.
Ricardo Basaglia é CEO da Michael Page no Brasil e é autor do best-seller Lugar de Potência. Hoje é o headhunter mais acompanhando do Brasil, produzindo conteúdo sobre Carreira & Liderança nas redes sociais e podcast. https://www.instagram.com/ricbasaglia/
Ou solicite uma proposta comercial e entraremos em contato com você.