*Por Martha Marques
Quando um colaborador para de comparecer ao trabalho por vários dias seguidos e não apresenta nenhuma justificativa, é natural que o RH e a liderança fiquem em dúvida: será que isso já é considerado abandono de emprego?
Esse é um tema que costuma gerar insegurança, tanto para quem gere equipes quanto para quem está em uma situação delicada no trabalho. Afinal, existe um tempo mínimo de ausência? O que a empresa precisa fazer para se resguardar? E quais são os direitos de quem é desligado por esse motivo?
🔺 O que caracteriza abandono de emprego segundo a lei
🔺 Quantos dias de ausência configuram essa situação
🔺 Quais os direitos do trabalhador e deveres da empresa
🔺 O que o RH deve fazer para conduzir o processo com segurança
🔺 Como evitar riscos e prevenir casos de abandono
Continue a leitura e tire todas as suas dúvidas sobre o assunto.
Entenda o significado jurídico do termo e por que ele exige atenção do RH.
O abandono de emprego acontece quando o trabalhador deixa de comparecer ao trabalho por um período prolongado, sem apresentar justificativa e sem demonstrar intenção de voltar. Essa ausência repetida e sem explicação pode ser entendida como uma escolha do empregado de encerrar o vínculo com a empresa.
Apesar de não existir uma definição literal no texto da CLT, o abandono é reconhecido pela Justiça do Trabalho como uma forma de quebra de contrato. O ponto central aqui não é só a falta — mas sim o silêncio diante das tentativas de contato e a falta de interesse em retomar as atividades.
É importante lembrar que esse tipo de situação precisa ser tratada com muito cuidado. Não basta o colaborador faltar por alguns dias: é necessário que a empresa tenha indícios claros de que ele não pretende mais retornar. E é aí que entram os prazos e os procedimentos legais — que vamos detalhar nos próximos tópicos.
A CLT não usa o termo “abandono”, mas a jurisprudência trabalhista reconhece e regulamenta essa situação.
A CLT não traz uma definição direta sobre o que é abandono de emprego, mas o assunto está previsto no artigo 482, que trata dos motivos que justificam a rescisão do contrato por justa causa. Veja o que diz a lei:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
i) abandono de emprego.
Ou seja, a lei considera o abandono de emprego como uma falta grave que pode levar à demissão por justa causa. No entanto, ela não especifica o número de dias ou as condições exatas que configuram esse abandono. Essa lacuna foi preenchida ao longo do tempo por decisões da Justiça do Trabalho e por súmulas, como a Súmula nº 32 do TST (Tribunal Superior do Trabalho):
“Presume-se o abandono de emprego se o empregado não retornar ao serviço no prazo de 30 dias após a cessação do benefício previdenciário, e não justificar o motivo da ausência.”
Embora a súmula trate de um caso específico — ausência após o fim do auxílio-doença — ela mostra como o Judiciário costuma interpretar esse tipo de situação: o tempo de ausência conta, mas a intenção de não voltar ao trabalho também precisa ficar clara.
É por isso que, além de observar o tempo fora do trabalho, a empresa deve seguir um processo cuidadoso de comunicação e registro, como vamos mostrar adiante.
Nem toda ausência prolongada é abandono — por isso, é preciso observar sinais específicos.
Identificar o abandono de emprego exige atenção a dois fatores principais: o tempo de ausência e a ausência de justificativa. Mas só isso não basta. A Justiça do Trabalho também avalia se houve intenção clara do colaborador de não retornar ao trabalho.
Ou seja, o RH não deve agir com base apenas no número de faltas. É importante verificar se a empresa tentou entrar em contato, se houve alguma resposta, se o funcionário tem um histórico de faltas e se há registros de comunicação anteriores.
Alguns sinais que podem indicar um possível abandono de emprego:
Esses indícios precisam ser documentados para proteger a empresa caso a situação vá parar na Justiça. Mas o cuidado é essencial: antes de tomar qualquer decisão, é preciso esgotar todas as tentativas de contato e garantir que o trabalhador teve oportunidade de se manifestar.
No próximo tópico, vamos ver qual é o tempo mínimo de ausência que costuma ser considerado abandono de emprego.
Na prática trabalhista, 30 dias de ausência costumam ser o ponto de alerta para o RH.
Como já mencionamos, a Súmula nº 32 do TST é frequentemente usada como base para reconhecer o abandono de emprego após 30 dias consecutivos de ausência injustificada. Mas o mais importante aqui é entender que esse número serve como referência, e não como uma regra absoluta.
Na prática, a Justiça do Trabalho avalia o contexto. Já houve casos em que períodos mais curtos foram aceitos como abandono — e outros em que mesmo longas ausências não resultaram em justa causa, justamente por não haver indícios claros da intenção do trabalhador de romper o vínculo.
Por isso, mais do que contar os dias, o RH precisa registrar as tentativas de contato, documentar a ausência e demonstrar que ofereceu espaço para justificativas. É essa postura cuidadosa que dá segurança ao processo, caso ele seja questionado no futuro.
A principal consequência é a demissão por justa causa, com reflexos nos direitos rescisórios do trabalhador.
Quando o abandono de emprego é confirmado, a empresa pode encerrar o contrato de trabalho por justa causa. Isso significa que o desligamento ocorre em função de uma falta grave, prevista na legislação, e altera diretamente os valores que o trabalhador tem a receber na rescisão.
Nesses casos, o colaborador perde o direito a verbas como aviso prévio, 13º proporcional, férias proporcionais e saque do FGTS com multa de 40%, além de não poder acessar o seguro-desemprego. Ele recebe apenas:
Além do impacto financeiro imediato, a demissão por justa causa pode dificultar novas contratações, já que fica registrada como motivo de desligamento. Por isso, tanto o trabalhador quanto a empresa precisam lidar com esse tipo de situação com atenção e responsabilidade.
Nos próximos tópicos, vamos ver o que o empregador precisa fazer para formalizar esse processo de maneira segura e como o colaborador pode se defender, caso considere a acusação injusta.
A empresa precisa seguir etapas formais para não correr riscos legais.
Para que o desligamento por abandono de emprego seja considerado válido, a empresa precisa comprovar que o colaborador deixou de comparecer ao trabalho sem justificativa e não demonstrou intenção de retornar — e tudo isso precisa estar documentado.
Veja os passos que costumam ser seguidos:
A contagem de faltas começa a partir do primeiro dia de não comparecimento. É importante manter registros atualizados no controle de ponto ou folha de frequência.
O RH pode enviar mensagens, e-mails ou até fazer ligações para entender o motivo da ausência. Se não houver retorno, o próximo passo é mais formal.
A empresa deve encaminhar uma carta com aviso de recebimento (AR), solicitando que o trabalhador se apresente ou justifique a ausência em um prazo razoável — geralmente entre 48 e 72 horas.
Se o colaborador não responder, nem retornar ao trabalho, a empresa pode presumir o abandono. Esse cuidado é importante para comprovar que houve tentativa de diálogo.
Com todos os documentos em mãos, a empresa pode seguir com a demissão, registrando o motivo como abandono de emprego no termo de rescisão.
Cada uma dessas etapas ajuda a proteger a empresa em caso de questionamento judicial. E, claro, reforça o compromisso com uma conduta justa e transparente no encerramento da relação de trabalho.
[Papel timbrado da empresa, se houver]
[Cidade], [data]
Ao(À) Sr(a). [Nome do colaborador(a)]
[Endereço completo do colaborador(a)]
Assunto: Notificação por ausência no trabalho
Prezado(a) Sr(a). [Nome do colaborador(a)],
Verificamos que V.Sa. encontra-se ausente do trabalho desde o dia [data da última presença registrada], sem que tenha sido apresentada qualquer justificativa ou comunicado formal à empresa até o momento.
Diante disso, solicitamos que se apresente ou envie, por escrito, a devida justificativa no prazo de [48 ou 72] horas a contar do recebimento desta notificação, sob pena de serem adotadas as providências legais cabíveis, inclusive a rescisão do contrato de trabalho por abandono de emprego, conforme previsto no artigo 482, alínea “i”, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Esta notificação está sendo enviada com aviso de recebimento (AR) e será devidamente arquivada nos registros da empresa.
Sem mais, aguardamos seu posicionamento.
Atenciosamente,
[Nome do responsável pelo RH ou gestor]
[Cargo]
[Nome da empresa]
[Telefone e e-mail para contato]
A palavra-chave aqui é cautela — agir com pressa pode gerar problemas jurídicos.
Ao notar que um colaborador está ausente há vários dias sem justificativa, o RH não deve concluir de imediato que houve abandono. O ideal é seguir um processo estruturado, com registro de cada etapa, para garantir segurança jurídica e respeito à relação de trabalho.
Veja os cuidados que o RH deve ter:
Antes de mais nada, vale consultar se há algum motivo plausível para a ausência, como problemas de saúde, afastamento não informado ou até mesmo erro no controle de ponto.
É importante entrar em contato por telefone, e-mail ou mensagem, demonstrando abertura para ouvir o colaborador. Muitas vezes, a ausência pode estar ligada a questões pessoais delicadas.
Mesmo que não haja resposta, essas iniciativas devem ser documentadas. Elas mostram que a empresa buscou resolver a situação de forma dialogada.
Se o silêncio persistir, é hora de enviar a carta com aviso de recebimento (AR) conforme o modelo que apresentamos.
A demissão por justa causa só pode ocorrer depois que todas as tentativas de contato foram feitas e o prazo estipulado na notificação tiver vencido, sem retorno.
Esse cuidado mostra que a empresa valoriza o respeito e a transparência, mesmo em momentos difíceis.
Antes de qualquer decisão, é preciso ouvir, registrar e avaliar com cuidado.
Situações de ausência prolongada podem ser delicadas, e nem sempre indicam má-fé por parte do colaborador. Quando o funcionário retorna ao trabalho depois de dias sem dar notícia, o RH deve manter a escuta aberta e adotar uma postura acolhedora — mesmo que o caso possa, sim, configurar abandono.
Veja como agir:
O primeiro passo é ouvir o que ele tem a dizer. Houve um problema pessoal? Internação médica? Falta de acesso à comunicação? Mesmo que a justificativa pareça frágil, ela deve ser registrada.
Se o colaborador alegar motivos de saúde, por exemplo, é fundamental solicitar atestados, laudos ou declarações que possam comprovar a informação.
A conversa e os documentos apresentados devem ser formalizados e anexados ao prontuário do colaborador. Isso protege tanto a empresa quanto o trabalhador em caso de dúvidas futuras.
Nem toda ausência longa resulta em abandono. Se houver justificativa plausível e provas consistentes, a relação de trabalho pode ser retomada normalmente. Se não houver, a empresa pode prosseguir com a rescisão por justa causa.
Em qualquer cenário, a recomendação é agir com equilíbrio. Ouvir antes de julgar, registrar antes de decidir. Esse cuidado faz toda a diferença — especialmente se a situação for parar na Justiça do Trabalho.
O reconhecimento depende de provas concretas e da conduta da empresa durante o processo.
A demissão por justa causa é considerada a penalidade mais grave na relação trabalhista — por isso, a Justiça costuma ser rigorosa na análise. No caso de abandono de emprego, os juízes avaliam o tempo de ausência, se a empresa seguiu os procedimentos corretamente e se houve de fato intenção do trabalhador de romper o vínculo.
E olha que interessante: há decisões que rejeitam a justa causa mesmo com mais de 30 dias de ausência, justamente porque a empresa não conseguiu comprovar a intenção de abandono. Por isso, seguir todas as etapas com atenção — da notificação formal ao registro das tentativas de contato — é essencial para que o desligamento tenha validade legal.
Prevenção começa com escuta ativa, comunicação clara e acompanhamento próximo.
Embora nem sempre seja possível prever uma ausência prolongada, o RH pode adotar algumas ações para reduzir o risco de abandono de emprego — especialmente em ambientes com alta rotatividade ou pouco engajamento.
Veja algumas práticas que ajudam a fortalecer o vínculo e identificar sinais de afastamento precoce:
Funcionários que se sentem à vontade para conversar com a liderança ou com o RH tendem a avisar quando enfrentam dificuldades pessoais ou profissionais.
Quedas de desempenho, atrasos frequentes e desmotivação podem indicar que algo não vai bem. Nessas horas, uma conversa informal pode revelar questões que, se ignoradas, acabam em afastamento.
Faltas frequentes e não justificadas devem ser observadas desde o início. Um controle de ponto eficiente e um processo claro de justificativas ajudam a agir com agilidade.
Questões de saúde física, mental ou familiares exigem sensibilidade. Ter políticas claras de acolhimento — como afastamentos, licenças e flexibilidade temporária — mostra ao colaborador que ele pode contar com a empresa.
Ter histórico de contato, alertas prévios e orientações reforça a transparência da empresa e facilita a condução de eventuais processos legais, caso o vínculo seja encerrado.
Evitar o abandono é, muitas vezes, uma consequência de relações bem cuidadas no dia a dia. Não se trata apenas de regras, mas de atenção genuína às pessoas.
O entendimento mais comum da Justiça do Trabalho é que a ausência injustificada por 30 dias consecutivos pode caracterizar abandono. Mas esse prazo pode variar de acordo com o contexto e a conduta do trabalhador.
Não. Mesmo com demissão por justa causa, o trabalhador ainda tem direito ao saldo de salário e às férias vencidas (se houver), com o adicional de 1/3. Perde, no entanto, benefícios como aviso prévio, 13º proporcional, férias proporcionais, multa do FGTS e seguro-desemprego.
Sim, se o trabalhador comprovar que houve um motivo legítimo para a ausência e que não houve intenção de romper o vínculo. Isso pode ser analisado judicialmente, caso ele entre com uma reclamação trabalhista.
Nesse caso, o ideal é apresentar atestados ou laudos médicos assim que possível. Se o motivo for reconhecido como legítimo, a empresa não deve aplicar justa causa, e sim considerar outras possibilidades, como afastamento pelo INSS.
O abandono de emprego é uma situação delicada, que exige atenção tanto da empresa quanto do trabalhador. Mais do que contar dias de ausência, é preciso entender o contexto, manter a comunicação ativa e seguir todos os procedimentos formais para garantir segurança jurídica de ambos os lados.
Para o RH, o caminho é sempre o mesmo: agir com transparência, registrar cada etapa do processo e oferecer espaço para escuta. Para o colaborador, é fundamental manter o diálogo aberto e buscar apoio quando enfrentar dificuldades — afinal, muitas situações podem ser resolvidas antes de chegar ao ponto de ruptura.
👉 Gostou deste conteúdo? Clique aqui e comece hoje mesmo a simplificar sua rotina com as soluções da Ticket!
*Martha Marques é jornalista e criadora de conteúdo há 20 anos. Para a Ticket, escreve sobre benefícios corporativos e o complexo e apaixonante mundo das relações de trabalho.
Ou solicite uma proposta comercial e entraremos em contato com você.