*Por Martha Marques
Já aconteceu de você perceber que está fazendo mais tarefas do que o combinado no seu trabalho? Isso pode ser um sinal claro de desvio de função, uma situação que afeta tanto os colaboradores quanto as empresas, e que, muitas vezes, passa despercebida até causar problemas maiores.
O desvio de função vai além de um simples erro de comunicação. Ele pode prejudicar o desempenho do time, gerar sobrecarga para quem trabalha e, ainda, trazer complicações legais para a empresa. Mas como identificar quando isso acontece? Quais são os direitos do trabalhador nessas situações? E como a empresa pode evitar que isso se torne um problema recorrente?
Neste artigo, vamos explicar o que é o desvio de função, como ele se diferencia do acúmulo de funções, quais as implicações legais para ambos os lados e, principalmente, o que pode ser feito para prevenir essa situação. Garantir que cada profissional atue dentro das suas atribuições é fundamental para manter um ambiente de trabalho justo e eficiente.
Imagine que você é contratado para realizar determinadas tarefas e, ao longo do tempo, começa a acumular funções que não estavam no seu escopo inicial. Ou, até pior, é colocado para realizar atividades que não têm nada a ver com o seu cargo. Isso é o que chamamos de desvio de função.
Em termos simples, o desvio de função ocorre quando um trabalhador é designado para executar funções que não correspondem àquelas que estão descritas no seu contrato de trabalho ou na descrição do seu cargo. Por exemplo, um assistente administrativo sendo solicitado a realizar tarefas de marketing, sem ter a qualificação ou o ajuste no contrato para tal.
Essa prática pode causar uma série de problemas, como sobrecarga de trabalho, desmotivação e, em alguns casos, até ações judiciais. Mas vai além. Quando o desvio de função acontece de forma sistemática, sem um acordo formalizado entre empregado e empregador, ele pode gerar um conflito entre as expectativas da empresa e os direitos do trabalhador.
Embora os termos “desvio de função”, “acúmulo de função” e “rebaixamento de função” possam parecer semelhantes, cada um tem implicações jurídicas e organizacionais diferentes que merecem atenção.
Como vimos, ocorre quando um empregado é designado para realizar tarefas que não correspondem ao seu cargo ou à descrição original de suas atividades.
O acúmulo de função, por sua vez, se refere ao aumento de responsabilidades que são compatíveis com o cargo do trabalhador. Nesse caso, o colaborador assume funções adicionais, geralmente sem uma mudança formal de cargo, mas que estão dentro da mesma área de atuação. Se o acúmulo não for formalizado ou não houver uma compensação adequada, isso pode gerar situações de sobrecarga, mas não configura ilegalidade, desde que as novas atividades estejam alinhadas com a função original.
O rebaixamento acontece quando um funcionário é transferido para um cargo de menor responsabilidade ou com menor remuneração. Diferentemente do desvio, onde as tarefas não têm relação com o cargo, o rebaixamento altera formalmente a posição do trabalhador, o que pode ocorrer por questões disciplinares ou mudanças estratégicas da empresa. O rebaixamento é legal quando realizado de acordo com os direitos trabalhistas e com o consentimento do colaborador, mas pode afetar a motivação e o engajamento no trabalho.
A legislação trabalhista brasileira trata o desvio de função como uma prática que pode gerar diversas consequências legais para as empresas. O trabalhador tem o direito de exercer apenas as funções para as quais foi contratado. Portanto,
qualquer alteração nas suas atividades deve ser formalizada e acordada pelas partes envolvidas.
O desvio de função é regulado pela Consolidação das leis do trabalho (CLT), e se não houver o consentimento do trabalhador para realizar atividades além do seu cargo, a empresa pode ser responsabilizada. A prática de desvio de função é considerada irregular, pois, de acordo com o artigo 2º da CLT, cabe ao empregador garantir que as funções desempenhadas estejam de acordo com o contrato de trabalho.
Para entender melhor o que configura o desvio de função, é útil observar alguns exemplos práticos que ilustram essa situação no dia a dia das empresas.
Um colaborador que é contratado para realizar atividades de assistência administrativa, como organização de documentos e atendimento a clientes, mas que, com o tempo, começa a assumir tarefas relacionadas à área de tecnologia da informação, como manutenção de computadores ou gestão de sistemas, está em desvio de função. Ele está desempenhando um papel que não corresponde ao seu cargo, o que pode gerar problemas tanto para a empresa quanto para ele, caso isso não seja formalizado, treinado e remunerado adequadamente.
Imagine um recepcionista que, além de suas funções tradicionais, começa a realizar atividades de vendas, atendendo clientes para fechar contratos e negociar preços. Embora o colaborador tenha algumas habilidades que possam ser aproveitadas, essa prática configura um desvio de função, pois a atividade não é parte do escopo do cargo de recepcionista. Isso pode afetar a produtividade e o desempenho geral, especialmente se o colaborador não tiver treinamento adequado para as novas responsabilidades.
Outro exemplo de desvio de função é quando um analista de marketing, contratado para planejar e executar campanhas publicitárias, começa a assumir responsabilidades típicas de um profissional de recursos humanos, como recrutamento e seleção ou treinamento de novos colaboradores. Essa mudança, sem o devido ajuste contratual, caracteriza um desvio, já que ele não foi contratado para esse tipo de atividade, e pode gerar questões legais e operacionais.
Diferentemente do que ocorre no desvio de função, a evolução de carreira é uma situação com objetivos, contextos e consequências bem diferentes. Entender essas diferenças é essencial para garantir um ambiente de trabalho justo e para evitar complicações jurídicas e organizacionais.
A evolução da carreira é um processo planejado e intencional, no qual o colaborador assume novas responsabilidades dentro da estrutura da empresa. Esse crescimento é geralmente acompanhado de reconhecimento, desenvolvimento profissional e, muitas vezes, aumento de benefícios.
A evolução está vinculada ao progresso contínuo de um colaborador, de acordo com sua performance e o planejamento de carreira, refletindo a valorização de suas competências e alinhamento com os objetivos organizacionais. Ao assumir novas tarefas ou desafios, o colaborador se torna mais qualificado, ampliando sua expertise e suas oportunidades dentro da empresa.
A responsabilidade de provar a alegação geralmente recai sobre quem faz a afirmação. Na prática, isso significa que o trabalhador deve reunir evidências de que está executando tarefas além do escopo do seu cargo. Isso pode incluir documentos internos, como ordens de serviço ou registros de atividades, além de testemunhos de outros colegas que possam confirmar que o colaborador foi designado para funções que não são compatíveis com o seu cargo original.
Por outro lado, se a empresa for desafiada em um processo, ela também tem a responsabilidade de comprovar que o colaborador foi informado sobre as mudanças em suas funções ou que essas mudanças estavam de acordo com o que foi acordado. Isso pode ser feito através de um aditivo contratual, um termo de concordância ou outros documentos que provem que o funcionário estava ciente de suas novas responsabilidades.
A chave aqui é que ambas as partes precisam documentar bem o que foi combinado e qualquer mudança nas atividades desempenhadas.
Sem uma prova clara de que houve desvio de função, a empresa pode enfrentar complicações legais e até ser condenada a pagar diferenças salariais ou outros tipos de compensação ao colaborador.
Compreender as consequências é essencial para evitar problemas legais, operacionais e de relacionamento dentro das empresas.
O trabalhador pode se sentir sobrecarregado se for constantemente designado para funções que não fazem parte do seu cargo. Além disso, a falta de treinamento adequado para essas novas atividades pode gerar frustração e estresse, afetando o bem-estar e a produtividade. Isso gera baixa produtividade e aumento do índice de adoecimento mental das equipes.
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Quando o colaborador começa a realizar tarefas além das previstas em seu contrato, sem um ajuste de salário ou reconhecimento, pode ocorrer uma perda de motivação no trabalho. O trabalhador pode se sentir desvalorizado, o que impacta sua performance e engajamento. Com isso, os resultados da empresa podem ser impactos, gerando prejuízos de diversas ordens.
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O desvio de função pode ser uma situação sutil, mas muito presente no cotidiano das empresas. Às vezes, os desvios não acontecem por malícia, mas por falhas de gestão ou falta de atenção aos detalhes. Existem várias razões pelas quais as empresas acabam cometendo esse erro, e entender essas causas pode ser o primeiro passo para evitá-las.
Uma das principais razões é a falta de clareza nas descrições de cargos. Quando as responsabilidades de um cargo não são bem definidas desde o início, é fácil que as funções de cada profissional se sobreponham ou se confundam. Isso acontece principalmente em empresas em crescimento rápido, onde a estrutura organizacional pode não acompanhar a expansão. Nesses casos, muitas vezes, as funções de diferentes áreas se misturam, e um colaborador acaba sendo designado para atividades que não fazem parte do seu escopo original.
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Outra razão comum é o excesso de demanda. Quando a empresa precisa de resultados rápidos ou está sobrecarregada, pode acabar atribuindo tarefas extras aos colaboradores, principalmente em momentos de crise ou alta demanda. Embora isso possa ser uma solução imediata para lidar com a sobrecarga, não é sustentável e gera o risco de desvio de função, além de sobrecarregar o trabalhador.
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Por fim, em alguns casos, o desvio de função ocorre por conveniência ou falta de conhecimento da empresa sobre os direitos trabalhistas. Se a organização não compreende completamente as implicações legais de uma designação inadequada de funções ou simplesmente não tem o hábito de revisar as condições de trabalho dos colaboradores, ela pode acabar sobrecarregando seus funcionários sem perceber os danos que isso pode causar tanto para o clima organizacional quanto para a parte legal.
Evitar o desvio de função exige esforços coordenados entre a empresa, o setor de Recursos Humanos e os próprios colaboradores. Cada um desempenha um papel importante na prevenção e solução de situações como essa, garantindo um ambiente de trabalho mais justo e produtivo.
Do lado da empresa, o primeiro passo é assegurar que cada cargo tenha um job description clara e detalhada. Essa documentação deve ser acessível e atualizada sempre que necessário, deixando explícitas as responsabilidades e os limites de cada função. Além disso, mudanças nas atribuições de um colaborador devem ser comunicadas formalmente e, se necessário, acompanhadas de uma revisão contratual e salarial.
O RH, por sua vez, atua como o gestor do equilíbrio entre as necessidades da empresa e os direitos dos colaboradores. Isso inclui treinar gestores para respeitar os limites contratuais e criar canais de comunicação onde os colaboradores possam reportar problemas de forma segura. Além disso, o RH deve estar preparado para intervir rapidamente quando identificado um desvio de função, conduzindo análises e propondo ajustes, caso necessário.
Já o colaborador também tem um papel fundamental nesse processo. É importante conhecer bem as atribuições do seu cargo e estar atento a mudanças que possam indicar um desvio de função. Caso perceba que está realizando atividades fora do escopo contratado, o ideal é conversar com seu gestor ou acionar o RH para buscar esclarecimentos. Sempre que possível, registre as atividades realizadas e mantenha uma comunicação aberta para evitar mal-entendidos.
Quando há uma mudança ou acréscimo no escopo de trabalho de um profissional, o papel do RH é essencial para garantir que o processo seja conduzido de maneira organizada e legal. Esse tipo de ajuste não deve ser visto apenas como uma readequação de tarefas, mas como uma oportunidade para fortalecer a estrutura interna da empresa e garantir que todos os envolvidos estejam alinhados.
Primeiramente, o RH deve avaliar e revisar o impacto da mudança no cargo e nas responsabilidades. Isso envolve conversar com o gestor direto do colaborador e entender de forma detalhada quais são as novas atribuições que serão atribuídas. É importante que essa revisão seja feita com base no que está formalmente descrito na função original do colaborador, evitando qualquer distorção ou sobrecarga. Em seguida, o RH deve formalizar a alteração por meio de um aditivo contratual. Esse documento será essencial para proteger os direitos do colaborador e garantir que ambas as partes — empregador e empregado — estejam cientes das novas responsabilidades e dos ajustes no escopo de trabalho.
Além disso, o RH deve garantir que o colaborador tenha total clareza sobre suas novas funções, proporcionando treinamento adequado, se necessário. Mudanças no job description podem envolver novas habilidades e conhecimentos que o profissional pode não dominar, e é responsabilidade do RH assegurar que a transição aconteça de forma suave.
É essencial que a comunicação seja transparente e que o colaborador se sinta parte do processo, e não simplesmente uma peça que foi reposicionada.
Em muitos casos, quando a mudança envolve um acréscimo significativo de tarefas, o RH também deve revisar se o compensatório adequado será oferecido. Isso pode incluir uma revisão salarial ou, em alguns casos, benefícios extras, dependendo da carga de trabalho adicional ou das novas exigências do cargo. O RH deve estar atento a essa questão para evitar situações de desvalorização ou frustração por parte do colaborador.
O desvio de função é um problema que, embora muitas vezes pareça trivial, pode gerar consequências profundas e duradouras. O impacto não é só no bem-estar dos colaboradores, mas na própria estrutura da empresa, que pode enfrentar desafios legais e operacionais. Ignorar ou minimizar essa questão pode transformar um pequeno erro de organização em um grande obstáculo para todos.
A boa notícia é que, com atitudes simples e eficazes, esse problema pode ser evitado. Manter descrições de cargos claras, estabelecer processos transparentes e garantir a comunicação constante entre gestores e colaboradores são os pilares para um ambiente de trabalho saudável. O segredo está em atuar antes que a situação se agrave, garantindo que todos saibam exatamente o que é esperado deles.
Quando empresa e colaborador estão alinhados, o desvio de função deixa de ser uma preocupação. O resultado? Uma equipe mais motivada, um ambiente mais equilibrado e uma gestão mais eficiente, onde todos, sem exceção, sabem seu papel e podem se desenvolver dentro dos seus reais limites. Ao investir na prevenção, todos saem ganhando.
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*Martha Marques é jornalista e criadora de conteúdo há 20 anos. Para a Ticket, escreve sobre benefícios corporativos e o complexo e apaixonante mundo das relações de trabalho.
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