*Por Martha Marques
Nem sempre o fim de um contrato de trabalho parte do empregado ou do empregador por vontade própria. Em algumas situações, é o ambiente de trabalho que se torna insustentável — a ponto de justificar que o próprio colaborador encerre o vínculo por motivos legais. É aí que entra a rescisão indireta, também conhecida como “justa causa do empregador”.
O que é rescisão indireta no direito trabalhista
🔺 Situações que podem gerar rescisão indireta
🔺 Quais são os direitos do trabalhador nesse tipo de rescisão
🔺 Como solicitar a rescisão indireta
🔺 Possíveis caminhos sem processo judicial
🔺 Cálculo das verbas rescisórias na rescisão indireta
🔺 Relação entre doenças psicossociais e a rescisão indireta
🔺 Diferença entre rescisão indireta e pedido de demissão
🔺 Como empresas podem prevenir pedidos de rescisão indireta
Continue a leitura e veja como o RH pode atuar com mais segurança e empatia nesse tipo de situação.
Situações graves no ambiente de trabalho podem levar o colaborador a encerrar o contrato com base legal.
A rescisão indireta acontece quando o trabalhador decide romper o contrato de trabalho porque a empresa descumpriu obrigações legais ou tornou a continuidade do vínculo insustentável. Na prática, é como se o colaborador desse uma “justa causa” no empregador.
Essa possibilidade está prevista no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que lista condutas do empregador que podem justificar esse tipo de desligamento. Entre os exemplos, estão:
Nesses casos, o trabalhador pode acionar a Justiça do Trabalho e solicitar a rescisão indireta. Se for reconhecida, ele terá direito às mesmas verbas que receberia em uma demissão sem justa causa.
Para o RH e a liderança da empresa, entender a rescisão indireta é importante por dois motivos. Primeiro, porque ajuda a reconhecer comportamentos e práticas que precisam ser corrigidos antes de gerar conflitos ou ações judiciais. Segundo, porque mostra ao colaborador que seus direitos estão protegidos, o que fortalece a confiança nas relações internas.
Além disso, em um momento em que saúde mental, segurança e bem-estar estão no centro das discussões sobre trabalho, essa previsão legal serve como um lembrete: manter um ambiente saudável não é só uma questão de cultura, mas também de conformidade com a lei.
Descubra os principais motivos que permitem ao colaborador romper o contrato por culpa do empregador, segundo a legislação trabalhista.
A legislação prevê alguns cenários em que o trabalhador pode pedir a rescisão indireta, mas é importante lembrar: o simples desconforto com a empresa ou um conflito pontual não são suficientes. É necessário que haja descumprimento grave das obrigações do empregador, conforme estabelece o artigo 483 da CLT. Veja os principais casos:
Quando a empresa modifica, sem acordo com o colaborador, aspectos essenciais do contrato — como função, jornada ou local de trabalho — isso pode configurar rescisão indireta.
Exemplo: um auxiliar administrativo é transferido para a área de vendas externas, com metas e deslocamentos diários, sem ter concordado com a mudança e sem qualquer justificativa técnica.
Se a empresa expõe o trabalhador a riscos físicos ou ambientes insalubres sem oferecer os equipamentos de proteção adequados ou sem respeitar as normas de segurança, o vínculo pode ser rompido judicialmente.
Exemplo: um operador de máquinas é obrigado a trabalhar com equipamentos danificados, sem proteção auditiva ou óculos de segurança, em um ambiente com ruído excessivo.
Aqui entram diversas situações, como atraso recorrente de salários, não pagamento de férias ou 13º salário, falta de recolhimento do FGTS e até a ausência de registro em carteira.
Exemplo: uma funcionária recebe seu salário com atraso por vários meses consecutivos e não teve o depósito do FGTS feito nos últimos dois anos.
O trabalhador tem direito a um ambiente seguro e respeitoso. A exposição contínua a humilhações, gritos, ameaças ou isolamento pode levar ao pedido de rescisão indireta por assédio moral.
Exemplo: um colaborador é constantemente ridicularizado pelo gestor diante da equipe, sofre cobranças abusivas e recebe e-mails com tom ofensivo fora do expediente.
Mesmo que não haja um assédio sistemático, situações que expõem o trabalhador ao constrangimento ou desrespeito também são levadas em consideração pela Justiça do Trabalho.
Exemplo: um funcionário é obrigado a vestir fantasias ou fazer “danças” como punição por não bater metas, gerando desconforto e humilhação perante colegas.
Veja o que a lei garante ao trabalhador quando a rescisão indireta é reconhecida pela Justiça do Trabalho.
Quando o juiz reconhece a rescisão indireta, o trabalhador passa a ter os mesmos direitos de quem é demitido sem justa causa. Isso significa que ele poderá receber:
Esses valores são devidos mesmo que o pedido tenha partido do trabalhador, já que a Justiça reconhece que o motivo da saída foi responsabilidade da empresa.
Além das verbas rescisórias, o colaborador pode ter direito à indenização por danos morais, dependendo da gravidade do que enfrentou, especialmente em casos de assédio moral, humilhação ou adoecimento psicológico.
A base legal para a rescisão indireta está no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que diz:
Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
Parágrafo único – O empregado poderá suspender a execução do contrato de trabalho quando ocorrer qualquer das hipóteses deste artigo, ficando assegurado o direito à remuneração até decisão final do processo.
Entenda como o trabalhador pode formalizar o pedido de rescisão indireta e o que a empresa deve esperar nesse processo.
Como esse tipo de desligamento precisa ser reconhecido pela Justiça, o trabalhador deve apresentar provas de que a empresa descumpriu suas obrigações. Isso é fundamental para que o juiz aceite o pedido de rescisão indireta.
Veja aqui as provas mais comuns:
Quanto mais documentada for a situação, maiores são as chances de o pedido ser aceito.
O trabalhador que deseja sair da empresa por rescisão indireta precisa entrar com uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho. Veja as etapas principais:
Durante esse processo, o trabalhador normalmente continua em atividade, exceto se o ambiente estiver insustentável. Nesse caso, o juiz pode permitir o afastamento enquanto o caso é julgado.
Não. A rescisão indireta só é reconhecida judicialmente, porque é preciso que um juiz avalie as provas e valide os motivos apresentados. Mesmo que a empresa reconheça o erro, não pode formalizar esse tipo de desligamento de forma extrajudicial — o processo sempre exige uma ação na Justiça do Trabalho.
No entanto, existem alternativas consensuais para resolver conflitos antes que eles cheguem a esse ponto. Um exemplo é o desligamento por comum acordo, previsto na reforma trabalhista, que tem outras regras e valores, mas permite uma saída mais amigável.
Saiba quais verbas devem ser consideradas e veja exemplos que ajudam a entender como o cálculo é feito na prática.
Se a Justiça reconhece a rescisão indireta, o colaborador tem direito às mesmas verbas da demissão sem justa causa, o que deve ser considerado no cálculo. Os itens que entram nessa conta incluem:
O cálculo exato depende do tempo de casa, do salário bruto e do que estiver pendente no momento do desligamento.
Vamos imaginar duas situações diferentes para ilustrar como esses valores podem ser organizados.
Funcionária com 2 anos de empresa, salário bruto de R$ 3.000.
Ela tem 10 dias trabalhados no mês e direito a 1/12 de férias e 13º.
Colaborador com 5 anos de empresa, salário de R$ 2.500, com férias vencidas.
Esses cálculos são aproximados e podem variar conforme o histórico de pagamentos e benefícios adicionais. Em caso de dúvida, é sempre importante procurar um contador ou advogado trabalhista.
Entenda como esses dois tipos de desligamento se diferenciam e o que muda na prática para o trabalhador.
Embora ambos os casos partam da iniciativa do colaborador, os efeitos jurídicos e financeiros são bastante diferentes:
É uma decisão unilateral do trabalhador, sem que haja culpa da empresa. Nesse caso, ele perde alguns direitos, como:
Além disso, deve cumprir ou indenizar o aviso prévio, o que pode gerar desconto no acerto final.
É quando o trabalhador rompe o vínculo por causa de uma falta grave da empresa, reconhecida judicialmente. Se o pedido for aceito, ele tem direito a todos os benefícios de uma demissão sem justa causa, incluindo:
Atenção: como a rescisão indireta depende de ação judicial, existe o risco de o juiz não reconhecer os argumentos apresentados. Por isso, a reunião de provas sólidas é essencial para garantir os direitos.
Esse conhecimento é importante tanto para o trabalhador quanto para o RH, que pode antecipar conflitos e agir preventivamente antes que o problema escale para a Justiça.
Condições emocionais e mentais causadas pelo trabalho também podem justificar o rompimento do contrato por culpa da empresa.
Transtornos como ansiedade, depressão, síndrome de burnout e outras condições psicossociais estão entre os principais motivos de afastamento no Brasil — e, em alguns casos, também podem embasar um pedido de rescisão indireta.
Isso ocorre quando há relação clara entre a doença e o ambiente de trabalho, especialmente em situações como:
Exemplo prático: uma colaboradora diagnosticada com transtorno de ansiedade relacionado ao trabalho retorna do afastamento e encontra o mesmo ambiente que contribuiu para seu adoecimento, sem qualquer mudança ou apoio. Nesses casos, a Justiça pode considerar que a manutenção do vínculo prejudica a saúde da profissional.
Vale lembrar que, para esse tipo de pedido, é essencial apresentar atestados médicos, laudos psicológicos, histórico de afastamentos e provas do ambiente inadequado. A ligação entre o adoecimento e a conduta da empresa precisa ser demonstrada com clareza.
O papel do RH é essencial nesse contexto: acolher, ouvir e propor ajustes antes que a situação evolua para uma ruptura judicial.
Uma gestão atenta e um RH próximo das pessoas ajudam a evitar conflitos graves e manter vínculos saudáveis com os colaboradores.
A rescisão indireta costuma ser o último passo de um trabalhador que já tentou resolver, sem sucesso, problemas sérios dentro da empresa. Por isso, o cuidado começa antes — com atenção às relações, à rotina e aos sinais do dia a dia.
Algumas atitudes contribuem muito para isso:
Observar sinais de desgaste, como afastamentos repetidos, queda de rendimento ou relatos de insatisfação, ajuda a identificar pontos que precisam de atenção antes que se tornem conflitos mais sérios.
Esse olhar constante para o clima da equipe favorece relações mais equilibradas e fortalece a confiança entre colaboradores, lideranças e RH.
O RH tem um papel importante nesse processo. É quem pode:
Além disso, o RH costuma ser um dos primeiros pontos de escuta quando o colaborador está passando por dificuldades. Essa proximidade permite atuar com agilidade, antes que o conflito evolua.
Prevenir pedidos de rescisão indireta envolve cuidar das pessoas, manter o ambiente respeitoso e buscar equilíbrio nas relações. Isso não só reduz problemas, como fortalece a cultura da empresa — algo que tem reflexo direto no engajamento e na retenção de talentos.
Quando o ambiente de trabalho leva à quebra do contrato, os impactos vão além do processo na Justiça.
Quando a Justiça reconhece que a empresa cometeu uma falta grave, o custo vai além do pagamento das verbas rescisórias. Além dos valores de uma demissão sem justa causa (como multa do FGTS, aviso prévio e 13º proporcional), a empresa pode:
Esses custos nem sempre aparecem de imediato, mas podem se acumular ao longo do tempo e afetar o caixa da empresa — principalmente em casos recorrentes.
Um pedido de rescisão indireta quase sempre carrega um histórico de desgaste. Quando esse tipo de situação se repete ou ganha visibilidade, os danos à imagem da empresa podem ser significativos. Alguns efeitos possíveis:
Além disso, os colaboradores que permanecem na empresa podem se sentir inseguros, desmotivados ou sobrecarregados, especialmente se perceberem que situações graves não estão sendo tratadas com seriedade.
Por isso, agir com transparência e buscar soluções antes que o problema escale não é só uma questão de justiça, mas também uma escolha inteligente para manter a saúde da empresa como um todo.
Saiba quais são as consequências para o trabalhador quando o pedido de rescisão é negado pelo juiz.
Se o juiz entender que não houve falta grave por parte da empresa ou que as provas apresentadas não são suficientes, o pedido de rescisão indireta pode ser negado. E isso muda completamente o cenário para o colaborador.
Nesses casos, a Justiça pode considerar que o rompimento partiu do trabalhador por vontade própria, ou seja, trata a saída como um pedido de demissão. Com isso, o profissional:
Além disso, se ele tiver deixado o trabalho antes da decisão judicial, a empresa pode entender que houve abandono de emprego — o que pode gerar ainda mais complicações.
Por isso, é importante que o colaborador mantenha a atividade profissional enquanto o processo estiver em andamento, sempre que for possível, e que só tome decisões após orientação jurídica.
Esse é mais um motivo para que o RH esteja atento e aberto ao diálogo. Muitas situações que poderiam virar um processo são, na verdade, sinais de que algo precisa ser revisto internamente — e há tempo de agir antes da ruptura.
Veja respostas rápidas para as dúvidas mais comuns sobre a rescisão indireta.
São situações em que o empregador descumpre obrigações legais ou contratuais, tornando o ambiente de trabalho inviável para o colaborador.
Depende. Em geral, o trabalhador precisa continuar na função até que o juiz decida sobre o caso, a menos que o ambiente seja considerado insustentável.
Não. O pedido precisa ser feito judicialmente, com auxílio de um advogado ou defensor público.
Sim. O empregador será ouvido na Justiça e pode apresentar provas ou testemunhas para contestar as alegações.
O prazo é de até dois anos após o término do contrato de trabalho, mas é sempre melhor procurar ajuda o quanto antes, ainda com o vínculo ativo.
Sim, desde que o trabalhador cumpra os requisitos exigidos pelo programa, como tempo mínimo de registro em carteira.
A rescisão indireta é um recurso importante no direito trabalhista, pensado para proteger o trabalhador quando o ambiente de trabalho se torna insustentável. Mas ela também serve como sinal de alerta para as empresas — afinal, nenhum processo começa do dia para a noite.
Para o RH e as lideranças, o desafio está em identificar os riscos, agir com escuta e corrigir o que precisa ser revisto. Já para o colaborador, o cuidado com provas, prazos e orientações jurídicas é o que dá base para uma decisão consciente e segura.
Mais do que conhecer a legislação, é preciso manter as relações humanas no centro — com respeito, responsabilidade e disposição para o diálogo.
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*Martha Marques é jornalista e criadora de conteúdo há 20 anos. Para a Ticket, escreve sobre benefícios corporativos e o complexo e apaixonante mundo das relações de trabalho.
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